19 setembro 2009

Poema ao entardecer

Ao entardecer da memória, viajo pelas palavras
Que em vão deixámos escapar sem sentir, não
Isentas de sentido. Um sentido no interior de nos sermos
Nos sentidos que fomos escolhendo ausentar de termos
Para que ao sermos, não nos confundíssemos com a matéria errante
Em dissoluta vontade de se ser
Incessante.

Fomos, tu e eu, inocentes no desejo e no prazer de apenas estar
E ser sem conhecer, a imagem poluída dos pensamentos alheios
Que premeiam o acontecer rotineiro e fastidioso dos dias circulares
Impermanentes no querer.

Fomos, tu e eu, grandiosos nos gestos e palavras que trocámos
Antes das marcas de passados, que de gastos, velhos e puídos,
Tentámos embelezar numa vã reciclagem. Mas ao invés,
Não serviram mais que o enganoso propósito de sermos maiores
No espelho da nossa vaidade.

Fomos, tu e eu, presas fáceis nos dentes da vulgar realidade
Ou da vulgaridade real, de querer empreender sem projectar, um Amor fiel…

Imperfeito imaginário num querer só por querer.

Bebemos o silêncio expectante dos dias frios em que nos ausentámos mil vezes.
Bebemo-lo sozinhos,
E sozinhos ficámos por dentro e por fora.

Sozinhos, errámos o caminho pelas curvas da não-dor
Sorvemos o vazio em tragos lentos e construímos armaduras.
Fomos amantes, fogosos, fugidios e fugazes
Fátuos e ausentes da verdade de sermos, a tempo inteiro, apenas nós.

Hoje somos errantes.

Procuramos, ansiosos, em destinos laboriosos, e mais que tudo, enganosos,
Como os saldos de fim de estação, uma felicidade forjada em vontade alheia.

Alcançaremos as rosas, sem os espinhos, antes que a maré dos dias se torne
Ofegante?
Alcançaremos esse mar, essa liberdade insana, que da existência apenas nós acreditamos?
Que almejamos nós afinal, que não seja apenas morrer, num fim de tarde estival,
E esquecer?

E antes que da tua boca ressoe um eco do meu querer, soltemos as asas
Que tarda o amanhecer…

… não vá na espera acontecer os pássaros apodrecerem nas árvores.